“…A emigração funde e aperfeiçoa as civilizações
e amplia o conceito de pátria para além dos limites materiais,
fazendo, do mundo a pátria do homem”
Ir. Maria do Carmo dos Santos Gonçalves, mscs
A noção de pátria que acompanha o pensamento e os escritos do Beato João Batista Scalabrini representa um grande desafio, não somente para prática pastoral que esta inspira, direcionada à atenção e cuidado às pessoas migrantes e refugiadas, mas também pela densidade ética que encerra, arraigada numa visão integral da pessoa humana. Para São João Batista Scalabrini, “…A emigração funde e aperfeiçoa as civilizações e amplia o conceito de pátria para além dos limites materiais, fazendo, do mundo a pátria do homem” . Esse trecho registra a profunda relação que Scalabrini estabelece entre “migração”, “desenvolvimento humano” “pátria/pertencimento” e humanitas.
A migração, direito natural da pessoa humana, sob essa perspectiva, não se desenvolve apenas como um fato social, mas é sobretudo parte essencial da condição humana e, portanto, realidade incontornável no processo histórico de fusão (criação) de civilizações (sociedades, Estados, culturas etc.).
Nesse sentido, Scalabrini, desconstrói uma certa noção de pátria, restrita ao pertencimento solis (vinculado à territorialidade onde se deu o nascimento de um indivíduo) e/ou sanguinis (que restringe a pátria à suas relações de parentesco/cultura, vinculadas a uma territorialidade). Esse “descolamento” da ideia de pátria de sua materialidade permite, desse modo, que Scalabrini a realoque a partir da condição compartilhada por todo o ser humano, ou seja: a inalienável condição humana que encontra na sua natureza de “criatura” criada o direito de exercer seu pertencimento ao mundo inteiro, ou seja, à criação. A pátria-mundo de Scalabrini é a pátria-mundo-obra criada por Deus.
A noção de pátria dada por Scalabrini lança luzes importantes sobre as questões éticas enfrentadas pelas sociedades no contexto das migrações hodiernas. O direito à pátria-mundo é o direito do migrante em ter reconhecida e salvaguardada sua dignidade de pessoa, criada à imagem e semelhança de Deus, superando assim os nacionalismos que impõem a pena de morte àqueles que, em busca do pão, ultrapassam os limites materiais da sua pátria de nascimento e, reivindicam seu lugar no mundo, no mundo-pátria, mundo esse criado, no qual ele encontra sua realização como pessoa humana.
Os migrantes reivindicam seu direito natural de trânsito, de experiência da pátria-mundo. Essa experiência não deveria ser realizada de modo fragmentado ou condicionado. Para Scalabrini reconhecer a natureza humana é também compreendê-la na sua plenitude, na plenitude de sua realização como criatura feita para migrar.
Oração:
Deus, Pai Criador, que num ato de amor moldou o ser humano para habitar a terra. Permita que nossos passos não sejam detidos, que nosso peregrinar neste mundo não seja interrompido pelo medo, pelo egoísmo ou pela indiferença.
Torna-nos sempre mais semelhantes a Ti, que também por Amor, entregou seu Filho, Jesus Cristo. Ele fez de sua vida um ato contínuo de peregrinação e tornou nossa carne sua pátria. Abre nossos corações para a acolhida e a hospitalidade que nos permitem a realização plena através do encontro com o Outro. Olhe com carinho para todos aqueles (as) que buscam através da migração o direito à sua plena realização como pessoas humanas.
Não permita que os muros, as fronteiras, o ódio e até mesmo o mar aberto, os demovam de sua firme Esperança. Nos concede a Graça de estar nas estradas dessa pátria-mundo criada, para que fazendo do mundo nossa pátria, nele encontremos a TI, que fez de nossa carne a Tua pátria. Pela intercessão do Beato João Batista Scalabrini, Pai dos Migrantes. AMÉM.
Conferência de Dom Scalabrini no XVI Congresso Católico italiano 1899.
Doutora em Ciências Sociais pela PUCRS; Diretora do Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios (CSEM), Brasília, DF.