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SACRIFÍCIOS E CARIDADE

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SACRIFÍCIOS E CARIDADE

O JEITO DE VIVER DA BEM-AVENTURADA ASSUNTA MARCHETTI

Sem sacrifício não se pode fazer bem ao próximo e, menos se pode fazer se não tivermos caridade entre nós,

mas esperamos que esta nunca nos venha a faltar.

União e caridade! Com isto tudo se suporta, todas as cruzes pesam menos.

Amar, sacrificar-se e obedecer! (Carta de Madre Assunta às conselheiras em 22/11/1929).

Sacrificium, do latim, significa “fazer algo sagrado, imolação”. No Antigo Testamento o vemos no sacrifício de Isaac: um sacrifício imolado, isto é queimado (Gn 22, 6-10). Tradicionalmente está relacionada a determinados rituais e atos religiosos que serviam para demonstrar a Deus a dedicação e amor constante que os indivíduos tinham por ele. 

Na cultura dos povos pagãos autóctones, maias, incas, e outros, os sacrifícios e holocaustos, eram de crianças e mulheres jovens. Na história da humanidade houve o sacrifício ou massacre (hecatombe) em nome da raça pura (Auschwitz), ou ainda sacrifício de grupos de pessoas em nome de Deus. 

Quando se fala em sacrifício no Novo Testamento a referência é o próprio Jesus Cristo. Ele se entregou como um sacrifício por toda humanidade. Esta mensagem foi pré-anunciada no princípio da história humana, nos sacrifícios de Isaac e daHYPERLINK “https://avida.livingwater.me/2018/10/19/sign-of-the-passover/” Páscoa do Antigo testamento. A mensagem da NT, mostra Jesus de Nazaré, com todos os sentimentos humanos de dor, desprezo, abandono, angústias, mas também aceitação, silêncio, haja visto que não se indispôs com Caifás, sumo pontífice religioso, por tê-lo renegado como o Messias, nem contra a autoridade civil de Pôncio Pilatos, nem contra o regime de terror do imperador romano Tibério, ambos chefes dos romanos que dominavam a Palestina, havia quase um século. 

Até seus companheiros o abandonaram no momento crucial do sofrimento, das torturas até a crucificação. Ainda consciente ajoelhou-se e rezou: Pai, se queres afasta de mim esse cálice. Contudo, não se faça a minha vontade, mas a tua! A angústia tomou-o por completo. Rezava intensamente! Agonizava o homem justo, Jesus de Nazaré (Lc 22,40b-42); dando um forte grito Pai em tuas mãos entrego meu Espírito, morrendo na cruz (Lc 23, 46). Leonardo Boff, diz que ele era realmente Deus, porque nenhum humano conseguiria ser tão humano, pois encarnado num corpo de homem normal, chegou ao grau da absoluta perfeição!

Qual é a história de vida de outra pessoa humana que nos leva a pensar em tamanho sacrifício? Ou alguém que, por uma causa é capaz de não recuar, em absoluto? Os sacrifícios humanos, por nobres que sejam, estão na linha da privação voluntária por motivos religiosos ou renúncia em favor de alguém, ou por uma causa humanitária e social, por uma tarefa de difícil realização que envolve: abnegação, desprendimento, altruísmo, abstinência, resiliência, perdão. Na leitura de outras pessoas pode ser: dificuldade, sofrimento, penitência, suplício, martírio como tantos na história da Igreja Católica ou da humanidade, a começar por Jesus Cristo pregado à uma pesada cruz de madeira.

Tomemos a vida de Assunta Marchetti, sustentáculo da Congregação das irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo-Scalabrinianas. De longe ela viveu o sacrifício como um peso sobre seus ombros, seguramente porque sempre reconheceu o sacrifício da vida de Jesus até a cruz como doação em favor de alguém. 

O livro Madre Assunta Marchetti, uma vida missionária, de Irmã Laura Bondi, postuladora da causa de beatificação de Assunta Marchetti, relata as atitudes de pobreza, obediência, caridade, jejum, abstinência, humildade, tolerância, silêncio, oração intensa, até de submissão à voz de bispos ou superiores, mesmo sendo a co-fundadora da Congregação. Lembremo-nos das duas grandes crises acontecidas nos cento e vinte e cindo anos de vida da Congregação: 1900 com a pretensa união com as Apóstolas do Sagrado Coração, insistida pelo próprio Scalabrini e, em 1924-1927, das Clementinas com o Estevam Maria Heigenhauser acontecimento que levaria a Congregação a mudar totalmente de rumo, ou simplesmente ser extinguida. Que dor maior poderia sentir ao ver a Congregação, pela qual já havia dedicado trinta anos de sua vida, com o carisma e a missão solidificados simplesmente serem deletados? Esse sacrifício somado ao cansaço extenuante das jornadas diárias com: crianças órfãs, famílias de migrantes, catequese, doentes, dos corações que apaziguou, e com outros tantos afazeres diários que envolviam seu cotidiano? São atitudes e testemunhos que associam sua vida aos sofrimentos e morte de Jesus de Nazaré na Cruz por amor à humanidade. 

O sacrifício, fazia parte da vida e missão de Assunta Marchetti, desde as simples tarefas até as noites sem dormir, devido às grandes preocupações e decisões a tomar. Viveu isso desde sua família, pois quem assume responsabilidades faz também grandes sacrifícios e renúncias, inclusive a própria escola. 

E a decisão vocacional? Claustro ou missão ad gentes? Seguir sua vontade ou acompanhar o irmão José, sacerdote missionário acompanhando os migrantes italianos no Brasil e, então consagrar-se religiosa? Decisões de vida envolvem sacrifícios. Uma das decisões deve ser renunciada para realizar a outra. Quanto sacrifício na decisão de deixar sua terra e butarse por inteiro num estilo de vida e missão totalmente novos e desconhecidos, vivendo pobre com os mais pobres. Assunta se enquadra na leitura de Zavallos e Codina, teólogos latino-americanos:

As novas congregações caracterizavam-se por seu espírito especialmente ativo e se especializam em diversos campos apostólicos: ensino cristãos de crianças e da juventude abandonada, missões populares na zona rural muito descristianizada, obras de caridade e de assistência (órfãos, idosos, doentes, abandonados) e missões estrangeiras na África, Ásia, Oceania e regiões da América Latina. 

Mas, como a bem-aventurada Assunta Marchetti viveu o sacrifício? O que significaria sem sacrifício não se pode fazer o bem ao próximo? Em que contexto faz essa afirmação? Foi uma carta escrita às conselheiras em vinte e dois de novembro de mil novecentos e vinte e nove.  

Os sacríficos vividos livremente por Assunta Marchetti caracterizaram-se pela coragem, fortaleza, capacidade de gestão, amor à Congregação e ao Carisma, fé e confiança de que Deus nunca a abandonara. Destacamos três: 

1ª – a morte do irmão Padre José Marchetti, muito jovem e há poucos anos de fundação da Congregação. Depois disso a bem-aventurada Assunta dignou-se aceitar a colaboração dos padres scalabrinianos, nomeados pelo próprio Scalabrini. Não raro, as ordens vinham com autoritarismo e desprezo, como foi o caso do pe. Marco Simoni, dizendo que a partir daquele momento a direção da casa seria entregue às irmãs Apóstolas, por terem mais instrução que elas e que deveriam se incorporar à outra congregação. Como era uma determinação do bispo e, que sabe o que faz, disse Assunta Marchetti, restava-lhes obedecer e seguir em frente! Coloquemo-nos nas mãos de Deus e façamos a sua vontade. Ele pensará por nós. Nós devemos obedecer, é parte da carta de 28 de dezembro de 1900. Assunta sentia-se insegura e com medo por faltar-lhe o irmão e que as irmãs não mais a obedecessem (p. 120-121). 

– no ano de 1900, há apenas cinco anos de fundação, quando dom Scalabrini insistia em agregar nossa congregação à das Apóstolas do Sagrado Coração, fundada por Madre Clélia Merloni (p. 107). Na histórica carta de Assunta a Scalabrini, (28 de dezembro de 1900), lamentava-se que, depois de seis anos de fidelidade ao carisma fundacional, de observância à Constituição e amor à missão, deveriam perder a história e a missão afetiva e efetiva com os órfãos e abandonados (p. 176). Na mesma missiva, fala a Scalabrini que entenda a missão, pois envolve sacrifícios e fadigas e pede proteção e ajuda para continuar a missão (p. 116). 

A tentativa de Scalabrini não frutificou. Depois que retornou do Brasil a Piacenza (6.12.1904), tendo visto e ouvido o sofrimento de Assunta e de seu grupo, Scalabrini separou definitivamente os dois institutos. Escreveu a Clélia Merloni que mudasse a sede do Instituto para Alessandria, passando a depender daquele Bispo. Lembremos que Scalabrini faleceu em 1º.06.1905), quando a Congregação já tinha quase dez anos de fundação (25.10.1895), tempo suficiente para amar e defende-la do primeiro falimento. Todas as pessoas que falaram sobre a vida de Assunta Marchetti, reportados por Irmã Laura Bondi no livro em destaque, enfatizaram as palavras: espírito de sacrifício, humildade, caridade, obediência, abnegação, disposição […], (pg. 157-165).

– outra cruz pesada, sacrifício amargo ou “prova a que foi submetida” (p. 173), Assunta Marchetti na Congregação, sem nada poder fazer, foi presenciar a aparente destruição da Congregação. Um grupo de irmãs dissidentes que, aproveitando a distância geográfica em que Assunta se encontrava em missão (Monte Alto-SP) e o final de mandato da Superiora Geral, Madre Antonieta Fontana, tentavam mudar os rumos da Congregação que, com sacrifícios da co-fundadora e das primeiras irmãs já produzia bons frutos desde os órfãos e abandonados até a expansão de comunidades nos mais recônditos lugares habitados por migrantes no sul do Brasil. Sob a direção do padre Estevam Maria Heigenhauser, redentorista, nomeado pelo Arcebispo de São Paulo, Duarte Leopoldo e Silva, quase levou a Congregação a uma crise sem precedentes (crise das Clementinas 1924-1927, p. 173). Ele não conhecia suficientemente a história da Congregação. Propôs a reforma dos estatutos, a alteração das Normas Constitucionais e até a alteração do nome para “Irmãs Clementinas” a fim de desliga-la completamente da Congregação dos Missionários de São Carlos. 

Seria uma nova configuração de Congregação, ou melhor a perda total da identidade original. Imaginemos quanto sofrimento para a bem-aventurada Assunta Marchetti, ver a Congregação pela qual estava consumindo sua vida, dividida, litigando, levantando falsos testemunhos ou até competindo pelo poder? Prudência, resiliência, sofrimentos, sustentados por um silêncio orante e total confiança em Deus que conduz tudo para o bem maior. Teve atitudes divinamente equilibradas para superar sadiamente a segunda crise identitária vivida em trinta anos de Congregação. 

Desta forma, Assunta Marchetti mantinha uma postura de fé, maturidade e esperança em dias melhores. Diz irmã Laura Bondi (p. 177) que, em cartas enviadas a Pe. Consoni, não se encontram sinais de angústia ou de alteração psicológica e, como de costume, limitam-se a fazer chegar ao destinatário, de modo cortês o eco da gratidão e da memória. 

Mas o respiro para tal crise, veio com a eleição de Assunta Marchetti para o segundo mandato como Superiora Geral (1927-1935). As dissidentes e as que não estavam dispostas a seguir a Congregação na íntegra, não continuaram. O grupo que se manteve fiel a origem, junto com Assunta Marchetti e as demais irmãs, retomou as atividades, com venerável respeito à Superiora Geral que, por sua vez, recomendava insistentemente às coirmãs o espírito de sacrifício, obediência às Constituições, às superioras e a Monsenhor Egidio Lari, Visitador Apostólico. 

E é nesse contexto que Assunta escreve esta carta para as comunidades, no segundo ano de seu segundo mandato. Usou de sua estratégica liderança, solicitando insistentemente às irmãs: unidade, oração, trabalho e, sobretudo, espírito de sacrifício e caridade, com a pia esperança que essa nunca viesse a faltar (p. 192). De fato, não se percebe a mínima atitude de controle, cobranças e imposições por parte da Superiora Geral e co-fundadora. A saída da crise das clementinas viria pela unidade, caridade e sacrifício, como bem vemos acima! Como não poderia amar e defender a Congregação que ela iniciou, renunciando até a vida religiosa contemplativa? E não só amava a Congregação como Instituição, pois mostrou-se uma atenta gestora, como também amava cada irmã e jovem formanda e, sobretudo, as crianças do Orfanato e os migrantes em todas as comunidades por onde esteve em missão.  

Como a memorável frase do cientista francês Pierre Teilhard de Chardin: Não somos seres humanos vivendo uma experiência espiritual. Somos seres espirituais vivendo uma experiência humana. O modo de agir e atuar de Assunta e as irmãs pioneiras, é fruto de um carisma inicial que respondia concretamente a uma pastoral urgente e necessária. Para responder a missão, tornaram-se migrantes com os migrantes, adotando como era também o desejo de Scalabrini, um modo simples, humilde e despretensioso de ser e disposição de viver em casas modestas e em pequenas comunidades inseridas junto aos necessitados, mantendo-se em sintonia com a Igreja local. A experiência de vida tornou Assunta Marchetti uma sábia mulher. Sabedoria essa que lhe foi dada pelo sacrifício diário na dedicação aos órfãos, catequese, hospitais, na direção da Congregação, na gestão das obras que já iniciavam e na cozinha produzindo alimentação para os órfãos e para as coirmãs. Desta forma ela preconizava um jeito de ser Religiosa Consagrada, deixando na memória para as futuras gerações da Congregação um legado de que sem sacrifícios não se pode fazer o bem às pessoas e que se esse faltar em vão é a caridade! E a esperança que essa nunca venha a faltar nem nos corações de cada irmã, nem nas comunidades! Assunta se imortalizou, através da doação, sacrifício, comprometimento com causas sociais e com a vida religiosa! E, com Paulo Apóstolo podemos dizer:  […] fé, esperança e amor. A maior delas é o amor! (1Cor 13,13). 

 Irmã Marileda Baggio, mscs

Doutora em Teologia

 BONDI, Laura. Madre Assunta Marchetti: uma vida missionária.  CSEM, 2011. Parte da Carta de Assunta Marchetti à Irmã Imaculada Mileti e Conselho, 22 de novembro de 1929, pg. 192. 

 BONDI, Laura. Madre Assunta Marchetti: uma vida missionária. As referências a partir do livro estão indicadas somente com o número da página do livro. 

 CODINA, V.; ZEVALOS, N. Vida Religiosa: história e teologia. Petrópolis, 1990, pg. 61. 

 Somos seres espirituais vivendo uma experiência humana – Colunistas do Impresso – Diário de Santa Maria – diariosm.com.br. Acesso em 30 de setembro de 2021. 

 SIGNOR, L. M. Irmãs Missionárias de São Carlos Scalabrinianas, 1895-1934, CSEM, 2005, p. 182.

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